quarta-feira, 1 de julho de 2009
Libertar pela arte
Projetos utilizam atividades artísticas como ferramenta de transformação das condições de vida de crianças e adolescentes
Eis uma história do Brasil: aos 9 anos, Claudinei Xavier de Oliveira, de São Paulo, era considerado um caso perdido. Tinha sido abandonado pela mãe. O pai, desempregado, era alcoólatra. Os cinco irmãos estavam em orfanatos. "Eu achava que não passaria dos 16 anos", conta o rapaz, que um dia foi convidado pelo músico Flávio Pimenta a participar de aulas de percussão com outros garotos do bairro. Dinei, como é conhecido, nunca tinha assistido a uma aula, do que quer que fosse, em toda a vida. Pegou gosto pela música. E tornou-se um dos integrantes do grupo Meninos do Morumbi, organização sem fins lucrativos que dá aulas de música a 1 300 crianças e adolescentes carentes de São Paulo. Atualmente, Dinei é um dos funcionários do projeto e recebe 350 reais por mês. Metade ele entrega ao pai. O restante guarda na poupança para pagar uma faculdade de música ou de engenharia – cursando a 7ª série do supletivo de 1º grau, ele ainda não decidiu.
Os projetos que utilizam a arte como instrumento de recuperação da cidadania estão ajudando a salvar a vida de milhares de jovens como Dinei. O Projeto Axé, que beneficia meninos de rua de Salvador, é um exemplo bem-sucedido de trabalho educacional que usa a arte como fio condutor. Em onze anos, 8 000 crianças e adolescentes passaram pela instituição. "Não queremos fazer um projeto qualquer para crianças pobres, mas garantir uma educação completa com alto nível de ensino", diz Cesare La Rocca, presidente do Axé. Além de aulas de teatro, dança, música e artes plásticas, os jovens têm cursos de informática, inglês, português, cidadania e higiene.
Utilizando música de capoeira como estímulo à leitura, o Espaço Daruê Malungo, do Recife, conseguiu fazer com que 70% dos jovens assistidos ingressassem na escola. "Não temos a pretensão de formar profissionais na área artística, mas melhorar a autoconfiança e desenvolver a consciência crítica", afirma Dora Andrade, coreógrafa e idealizadora da Escola de Dança e Integração Social para Criança e Adolescente, que ensina dança a meninas pobres de Fortaleza. Muitos jovens acabam seguindo carreira. Os garotos da Banda Mirim Olodum, mantida pelo Grupo Cultural Olodum, de Salvador, podem integrar a banda profissional depois que completam 18 anos. Há exemplos parecidos, como o do Grupo Cultural AfroReggae, que começou com oficinas de reciclagem de papel e outros materiais, dança afro e percussão na favela de Vigário Geral, no Rio de Janeiro, e o da Escola Pracatum de Música, fundada pelo músico Carlinhos Brown, em Salvador.
O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, da Universidade Federal de São Paulo, fez um estudo sobre a situação de meninos de rua em seis capitais brasileiras e constatou que menos de 5% mantêm a expectativa de melhorar de vida. "Eles não conseguem enxergar um futuro digno", afirma Graziela Bedoian, coordenadora do Projeto Quixote, que em cinco anos atendeu 1 500 menores de rua de São Paulo. "Por causa disso, seus desejos são imediatistas." A arte facilita a comunicação e dá novo sentido à vida das crianças.
Recentemente, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) elegeu como modelo trinta instituições brasileiras que trabalham com arte e educação. Um número ainda maior de centros de atendimento possui oficinas de artes plásticas, música e teatro. Segundo o estudo da Unesco, o custo mensal por jovem nos projetos de arte e educação varia de 50 a 500 reais. Para manter um menor na Febem, o gasto do governo é de 1 800 reais por mês. Ninguém espera que a música vá recuperar o garoto que estupra e mata, mas os números mostram algo importante. Quanto mais a sociedade se dispuser a investir em projetos sociais na fase inicial da adolescência, antes que o crime e os criminosos surjam na vida da garotada, menos riscos os jovens correm de ir parar na cadeia.
Fonte: Revista Veja.
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